Em nossas relações diárias, é comum nos depararmos com pessoas que despertam em nós sentimentos negativos. Pode ser um colega de trabalho que parece sempre nos irritar, ou até mesmo um comportamento específico de alguém próximo que nos causa desconforto. Mas será que essas reações têm mais a ver com o outro ou com algo que está acontecendo dentro de nós?
Na psicanálise, aprendemos que nem sempre aquilo que vemos nos outros é uma imagem fiel da realidade externa. Muitas vezes, nossas percepções estão coloridas por nossos próprios conteúdos psíquicos, principalmente aqueles que permanecem inconscientes. Sigmund Freud, por exemplo, falou sobre o mecanismo de projeção, onde tendemos a atribuir a outras pessoas sentimentos, desejos ou impulsos que, na verdade, são nossos, mas não queremos (ou não podemos) reconhecer.
Esse processo é sutil e acontece de maneira inconsciente. Quando projetamos, estamos, em essência, transferindo para os outros aspectos de nós mesmos que não conseguimos tolerar. Esses aspectos podem ser desejos reprimidos, inseguranças ou até mesmo traços de caráter que consideramos inadequados ou vergonhosos.
Como reconhecer a projeção em nossas relações?
Quando alguém nos incomoda profundamente, é interessante parar e se perguntar: “O que exatamente está me afetando nessa pessoa? Há algo em mim que estou evitando enxergar?” Esse exercício pode nos ajudar a perceber que, em alguns casos, o que tanto criticamos no outro pode estar espelhando uma parte nossa que evitamos enfrentar.
Melanie Klein aprofundou a compreensão desse processo, especialmente ao observar que, desde muito cedo, tendemos a dividir nossas experiências em partes boas e más, externalizando as “partes ruins” nos outros para evitar o desconforto de confrontá-las em nós mesmos. Por exemplo, uma forte reação de raiva contra alguém pode ser uma forma de evitar lidar com a raiva que sentimos de nós mesmos, ou uma maneira de manter intacta uma imagem idealizada de quem queremos ser.
O autoconhecimento como caminho para relações mais saudáveis
Winnicott nos lembra da importância de um ambiente suficientemente bom para o desenvolvimento de uma verdadeira capacidade de relacionar-se. Quando conseguimos integrar o que somos – tanto o que consideramos bom quanto o que preferimos evitar – nos tornamos mais capazes de construir vínculos saudáveis e genuínos. Esse processo envolve reconhecer que todos nós temos imperfeições e limitações, e isso faz parte de ser humano.
Então, na próxima vez que alguém despertar uma forte reação em você, pare e reflita: “Será que essa pessoa está, de alguma forma, revelando algo que eu preciso trabalhar em mim?” Esse questionamento, embora desconfortável, pode ser um passo importante em direção a um autoconhecimento mais profundo e a relações interpessoais mais autênticas.
Juliana Conti Elias
Psicóloga e Psicanalista | CRP 06/139348