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O Que os Bebês Reborn Nos Contam Sobre Afeto, Perdas e Elaboração Emocional

O fenômeno dos bebês reborn revela muito sobre como lidamos com perdas, afetos e fantasias, convidando à escuta psicanalítica sobre o que esses vínculos simbólicos

O Que os Bebês Reborn Nos Contam Sobre Afeto, Perdas e Elaboração Emocional

De tempos em tempos, a sociedade se depara com fenômenos que nos convidam a revisitar a forma como elaboramos nossos afetos, lidamos com o luto e nos relacionamos com o simbólico. O recente destaque dos bebês reborn — bonecas hiper-realistas que imitam bebês de verdade — tem despertado reações diversas: enquanto uns se encantam com o detalhamento estético, outros se preocupam com os possíveis excessos.

De tempos em tempos, a sociedade se depara com fenômenos que nos convidam a revisitar a forma como elaboramos nossos afetos, lidamos com o luto e nos relacionamos com o simbólico. O recente destaque dos bebês reborn — bonecas hiper-realistas que imitam bebês de verdade — tem despertado reações diversas: enquanto uns se encantam com o detalhamento estético, outros se preocupam com os possíveis excessos.

Mas afinal, o que está em jogo quando alguém desenvolve um vínculo afetivo com um objeto inanimado que representa um bebê?

Como psicanalista, entendo que não cabe o julgamento superficial, mas sim a escuta atenta da função psíquica que esse objeto ocupa na vida do sujeito. Bonecos, camisas de futebol, carrinhos em miniatura — todos podem ser objetos de afeto, de memória ou de coleção. Gostar de bonecas, inclusive daquelas que parecem reais, não é em si um problema. O que merece atenção é quando a presença desse objeto começa a ocupar um espaço desproporcional, afetando a vida social, emocional e até mesmo a percepção da realidade.

Christian Dunker, em um de seus comentários sobre o tema, recupera o conceito freudiano de “o estranho” (Das Unheimliche) — aquilo que, sendo familiar, também causa inquietação. O bebê reborn desperta exatamente essa ambiguidade: é familiar como um bebê, mas permanece inanimado. Para algumas pessoas, ele pode funcionar como um recurso de conforto emocional. Para outras, pode representar um sintoma: uma tentativa de manter viva uma fantasia, evitando o enfrentamento de um vazio ou de uma perda não elaborada.

É nesse ponto que o olhar da psicanálise se torna fundamental. Melanie Klein nos ensina que todo processo de luto e elaboração exige a travessia pela angústia da perda e, principalmente, o reconhecimento de que aquilo que foi perdido não pode ser substituído. Quando esse trabalho psíquico não acontece, corremos o risco de cristalizar a dor em forma de objeto — e o bebê reborn, nesse contexto, pode deixar de ser um suporte simbólico para se tornar um mecanismo de defesa, como a negação ou a formação reativa.

Donald Winnicott, por sua vez, nos oferece a noção dos objetos transicionais — aqueles que, na infância, ajudam a criança a suportar a ausência da mãe e a construir sua autonomia emocional. Quando adultos recorrem a objetos similares — como os bebês reborn —, isso pode sinalizar o resgate de um vínculo afetivo não resolvido ou uma tentativa de elaborar um trauma ou luto ainda não simbolizado.

Alexandre Patrício de Almeida e Ana Suy também têm contribuído com reflexões lúcidas sobre esse tema. Alexandre chama atenção para os riscos da substituição dos vínculos humanos por relações simbólicas com objetos inanimados. Ana, por sua vez, nos lembra que, por mais essencial que o amor seja, ele nunca é completo — há sempre um vazio, uma falta. E é justamente a partir dessa falta que se constrói o desejo, a criação e a possibilidade de viver.

Dessa forma, é preciso escutar o que o bebê reborn representa para cada pessoa. Pode ser um gesto de afeto, uma forma de brincar, um colecionismo estético — e isso é legítimo. Mas quando o objeto passa a ocupar o lugar do outro, do real, da troca humana, talvez estejamos diante de um sintoma que precisa ser acolhido e compreendido, e não simplesmente rotulado ou patologizado.

Família e amigos, ao perceberem um apego excessivo, podem oferecer acolhimento e diálogo — e não julgamento. O convite à escuta terapêutica pode abrir um caminho para transformar essa relação simbólica em uma oportunidade de elaboração emocional. A psicanálise, nesse sentido, não busca “curar” o gosto pelo reborn. Ela busca compreender: o que este bebê representa? Qual dor ele tenta nomear? Qual falta ele tenta preencher?

Porque, no fim das contas, todo afeto é legítimo — mas só é saudável quando não nos isola do mundo, e sim nos ajuda a viver nele.

Por Juliana Conti Elias – Psicóloga, Psicanalista e Sexóloga (CRP 06/139348)

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